sexta-feira, 24 de outubro de 2008

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Parar. Parar não paro.
Esquecer. Esquecer não esqueço.
Se carácter custa caro
pago o preço. (...)

E que ninguém me dê amparo
nem me pergunte se padeço.
Não sou nem serei avaro
- se carácter custa caro
pago o preço.

(Sidónio Muralha

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Cecília Meireles




E diz-me a desconhecida:
"Mais depressa! Mais depressa!
"Que eu vou te levar a vida! . . .


"Finaliza! Recomeça!
"Transpõe glórias e pecados! . . ."
Eu não sei que voz seja essa


Nos meus ouvidos magoados:
Mas guardo a angústia e a certeza
De ter os dias contados . . .


Rolo, assim, na correnteza
Da sorte que se acelera,
Entre margens de tristeza,


Sem palácios de quimera,
Sem paisagens de ventura,
Sem nada de primavera . . .


Lá vou, pela noite escura,
Pela noite de segredo,
Como um rio de loucura . . .


Tudo em volta sente medo . . .
E eu passo desiludida,
Porque sei que morro cedo . . .


Lá me vou, sem despedida . . .
Às vezes, quem vai, regressa . . .
E diz-me a Desconhecida:


"Mais depressa" Mais depressa" . . .

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

Eu não sei me cuidar, mas relaxa, eu tô quase lá!




Eu lembro meu nome escrito no teu caderno com a tua letra feia e garranchada como o nosso amor que já nasceu morrido. Eu lembro a tua voz rouca na madrugada da balada tuas falas gritadas no meio da pista a música absurdamente alta eu não escutando nada das tuas maneiras de me dizer te amo e eu não te merecendo e depois você indo embora comigo no meu auto eu dirigindo e você no banco do passageiro tão passageiro mas tão passageiro que durou pouco mas tão pouco muito pouco. Eu lembro a tua voz enrouquecida dos berros na balada a tua voz seguinte me sussurando coisas no ouvido e as coisas me entrando pela direita e me saindo pela esquerda. Se eu não lembrasse a miséria que foi o meu amor por você talvez eu não demorasse assim estacionado nessas sombras que são da angústia de uma coisa que passou e eu deixei passar e hoje fico pensando que não me arrependo mas que faria diferente e não te daria aquele arremedo de amor que eu te dei junto com a camiseta amarela da m.officer de presente de -oi acabei de te conhecer e quero ir adiante com você-. hoje o meu presente de oi-etc seria escrever para você umas coisas que se não servissem para te agradar serviriam ao menos para rechear algum livro publicado depois que eu morresse para garantir direitos autorais aos meus descendentes -colaterais e indiretos- na falta dos meus filhos que ainda não nasceram. eu lembro que o meu amor pela metade que eu te dei regulado não teve vírgula nenhuma. teve foi uma coleção de reticências embebidas num litro de interrogações. Eu lembro que o nosso amor teve parágrafo travessão umas dúzias de letras indispostas e um gigantesco ponto final em arial bold que desabou em cima de tudo ou de nada já que o que aconteceu foi: nada. lembro tudo. lembro esse nada e penso na tua letra de pedreiro na tua voz de sarrafo rachado depois da balada e mergulho nesse passado que sentou no banco do passageiro e não passou ainda.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

"alguma história"




alguma história que não foi vivida
perdida naqueles abandonos perfuro-cortantes
alguma história assim que deveria acontecer e não houve
alguma história assim eu sei
está sendo escrita de-va-ga-ri-nho
bem de levezinho
com todos os pontos comidos
e as vírgulas engolidas que eu não usei neste ano
alguma história assim eu sei sim
vai ser desembrulhada lavada desnervada fatiada temperada fritada
lentamente apresentada numa terrina transparente
almoçada e jantada diariamente
em cada um dos todos os dias que grandemente eu sei que vêm vindo aí
a pé é verdade
porque vamos falar uma verdade umazinha só
este 2003 que demora pra ir embora
que saco que estranho que esquisito que doido e que doído que foi
mas doeu mas foi bom mas eu não gosto de sofrer
e eu sei que alguma história que não foi vivida
perdida naqueles abandonos perfuro-cortantes
eu sei que está quase pronta pra ser servida
e te dou a chance olha só que chance
eu estou fabricando um ano bissexto
de mais um dia mais 24 horas no fim de fevereiro
ou pra escrever mais um pouquinho essa história abalroantemente longitudinal na carne do meu coração
ou pra finalmente me servir essa história pronta
porque francamente vamos falar mais uma verdadezinha umazinha sozinha
não foi fácil mas agora eu sou outro
mas se demorar mais um pouco
eu já mudo de novo
e você não vai me achar

(pois então:)
vem, eu quero abrir as portas do meu coração
pra você entrar nas minhas veias,
nas minhas artérias aortas,
nas minhas rimas porcas.


by zé RoBeRtO

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Hoje é o dia de lavar a alma, não lembra?

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Ei mãe, viu onde coloquei minha felicidade? Eu tinha colocado sobre a mesa junto com a saudade do meu amor. - Não sei, meu filho, acho que sua avó tinha jogado no cesto! Hoje é o dia de lavar a alma, não lembra? - Pô, mãe! No dia seguinte: - Mãe, pode lavar a alma hoje de novo? Ou tem que esperar até o dia de pensar sobre a vida? - Por que, meu filho? Sua avó não lavou sua alma ontem? - Mas mãe, é porque hoje fui brincar no parque da realidade e fiquei sujo de mágoa, enquanto corria, ralei meu coração com angústia e, se não limpar logo, acho que vai ficar com mancha de tristeza.

Anderson Fernandes


quinta-feira, 2 de outubro de 2008

... é verdade, nossas relações diplomáticas são tão boas que vamos até tomar uma cerveja qualquer dia desses, acompanhada de um abraço, claro...




***Constraste***


Na tua ausência, as coisas todas deram de apresentar defeitos. Os botões do microondas enlouqueceram, pensam que agora tudo é arroz: aperto os números, mas só o modo “rice” funciona. Torço a torneira até espanar o registro, mas o filtro não pára de pingar. A máquina de lavar roupas também acusou a tua falta: vira só num sentido e as roupas, em vez de limpas, ficam enroladas em volta das pás. Derrubei o ferro de passar roupa e ele caiu no chão com a chapa quente virada pra baixo e queimou o carpete. A tira do chinelo arrebentou, caiu a porta do guarda-roupa, "o elevador do prédio enguiçou", o som do carro come as faixas dos cds, o celular motorola pode explodir a qualquer momento na minha orelha e meu coração precisa de cloridrato de propanolol 10mg duas vezes por dia — depois das refeições que não faço mais.





*
Estive possesso essas dias... o que
seria de mim sem minha música, sem meus livros,
sem mim... ehe... olha só o circo montado!!!

***