terça-feira, 14 de julho de 2009

ENTREVISTA COM O ESCRITOR RICARDO VIEIRA

“Poesia é o retrato feito à grafite, daquilo que se pode entender e reproduzir do que se vê (ou pensa estar vendo). Finalidade? Retratar. Reagir ao que se sente.” (R.V.)

O baiano Maurício Zerk é músico e poeta, já participou de vários festivais de música, é graduando em História e atualmente trabalha na produção do seu próximo disco independente (*que já teve o single lançado aqui no blog – CLIQUE AQUI) e no seu livro de poemas e crônicas, entrevista o escritor Ricardo Vieira, de Porto Alegre-RS. Ricardo também é militar (*ninguém é perfeito), músico e ao conquistar uma bolsa de estudos, tornou-se acadêmico em Direito pela PUCRS. Ambos participam da antologia “Poemas de Mil Compassos” da Coleção Literatura Clandestina/2009.
Maurício Zerk – Desde já agradeço pela presença na LC. Agora, nos diga... quando começou a escrever poemas? Houve algum incentivo?
Ricardo Vieira – Primeiramente, gostaria de agradecer ao Elenilson pelo convite a ingressar nesse projeto do livro, e também pelas palavras muito estimulantes de reconhecimento ao meu trabalho inicial. É um prazer estar entre pessoas tão talentosas. Não sei se sou interessante o bastante para ser entrevistado, mas vamos lá, vamos tentar! Escrever, escrevo desde muito novo, procurando encontrar alguma forma de dizer as coisas que crianças pensam, mas que não conseguem dizer. Aliás, imagine que desgraça é ser criança, e ter ainda um vocabulário tão menor que as tantas coisas que se sente, não é mesmo? Acho que é por isso que crianças brincam. Não são levadas a sério! Só que escrevia coisas que precisei ficar adulto para compreender. Então, agora, depois de adulto, um pouco mais amadurecido, percebi que precisava voltar a ver as coisas com o mesmo encanto para contá-las a mim mesmo. Então, comecei a escrever poesias. Sobre incentivo... Meu avô me ensinou métrica quando eu tinha uns cinco anos. Lá pelos nove, entendi que aquilo era frustrante. Mas fiquei influenciado, sem dúvida. Passo a vida lutando contra a métrica, e sempre lutando contra algo para escrever poesias. Percebi que criar desafios, como ele (meu avô) criava para mim, é na verdade um estimulo. Acho que cada fase nos traz algo como estímulo. Atualmente, sinto-me influenciado pelo acaso. Poesia acontece como qualquer outro desabafo. Acho que é isso.
Maurício Zerk – Desculpando-me de antemão pelo possível reducionismo, creio que há duas vertentes mais trabalhadas em seus poemas: a memória e a linguagem. Estou certo disso? Para mim, é difícil ver as pontes entre esses dois grandes campos. Quais são elas para você?
Ricardo Vieira – Me pegou... Ah, não vejo como reducionismo, é o cacoete técnico que admiro nos profissionais e escritores tecnicamente corretos. Ocorre que infelizmente (ou felizmente?) sou um cara que “escreve de ouvido”. Sou mais intuitivo que qualquer coisa. Como falei, poesia é meu desabafo, é reação fisiológica. Os meus demais textos são baseados em lógicas parecidas. Portanto, o que vou falar sobre linguagem e memória como vertentes é “achismo” meu, não sou habilitado a avaliar isso de modo mais profundo. Realmente, lendo e tentando lembrar do que sinto quando escrevo, vejo que as pontes são feitas de modo não técnico, não planejado. Não planejo nem o sentimento, nem a forma como ele vai imprimindo na ponta da pena. Mas como músicos intuitivos, sentimos que as palavras têm mais do que apenas significados. Cada uma tem um ritmo, cor, som, peso, textura... Os termos, quando os procuro num repertório que me empenho ter sempre bem exercitado e crescente, acho que os escolho pelo contexto todo, não apenas pela rima (eu uso o desusado com orgulho), procurando achar um elo entre a fonética e o significado. Acho que o orador primoroso tende a isso durante a fala. Gosto de escrever coisas que dêem gosto de pronunciar. Que enrolem a língua de modo intricado e saboroso. Algo pode ser melhor que enrolar línguas? Não sei se acertei o viés da questão, mas creio que se há pontes entre minhas vertentes, elas ficam no campo do “desenvolvimento natural” das coisas. Sempre evitei a técnica como ponto de partida, mas apenas procuro não me afastar demais dela pra não perder o rumo. Procuro não partir dela, pois tenho tendência a “travar”.
Maurício Zerk – Seus textos e poemas soam bem violentos e com conotação sexual. Tive o prazer de ler algumas coisas suas no site Recanto das Letras e me encantei. Como funciona o "esquema" de criação? Você consegue criar a qualquer hora, a partir de qualquer situação ou é preciso ter uma inspiração mais profunda já que às vezes nós artistas costumamos "travar" de vez em quando?
Ricardo Vieira – Hum... interessante... Talvez tenhas te baseado apenas nos textos mais recentes, e nos eróticos, que são justamente a minoria. Na verdade, são uma minoria bem pequena os que têm conteúdo mais erótico, e "violento"... Nem sabia que tinha! Contudo, de fato, gosto de me utilizar do gume mais afiado das palavras. Mas claro, percepções e percepções! Quanto à inspiração, não tenho rituais. Alguns poemas escrevo em pedaços de papel nos momentos mais inusitados. É como falei, é um desabafo, uma reação. Acho que "reação" define bem, como tossir, espirrar. Precisa acontecer. Então não tem lugar. Sobre travar, travei apenas na continuidade de um livro que eu queria escrever on-line, mas foi por choque ideológico. Comecei a pesquisar melhor e me desvinculei de minha premissa inicial, daí travou mesmo. Já travei fazendo músicas também, por demorar demais para concluir, e a situação que a motiva muda, então a música fica inconsistente, perde sua âncora. Mas na poesia, não travo. Acho que pelo fato de não ter com elas um compromisso, senão o de ser o mais realista possível na transmissão do que sinto para os termos. Logo, não acho que seja possível travar. Obviamente há situações, momentos mais intensos de maior sensibilidade, onde as coisas são mais afloradas, então a produção aumenta significativamente. Eu particularmente escrevo mais quando estou em adversidades, talvez por ficar mais reflexivo. Já os poemas eróticos, são apenas verdades. E de qualquer um de nós. Gosto de reviver as coisas boas que vivo e sinto, eternizando as impressões.
Maurício Zerk – Conte-nos quais são seu escritores prediletos e se tem alguém dessa nova safra da literatura brasileira que você admira!
Ricardo Vieira – Não sei bem o que chamas de nova safra da Literatura Brasileira, mas confesso com uma vergonha enorme que leio muito menos do que devia... embora não aprecie best sellers, acabo caindo um pouco no clássico internacional. Sou um emergente no plano cultural, especialmente no literário. Sou um leitor tardio, ainda tenho uma carga de leitura muito reduzida, e, portanto, uma crítica ainda muito restrita. Acabei me interessando (erradamente, estou ciente)muito mais em escrever do que em ler. Espero conseguir em breve responder uma pergunta como esta sem pecar na falta de substância. Mas posso dizer o que gosto em literatura brazuca. Tenho apreciado algo de Caio Fernando de Abreu, sinto-me roubado por ele frequentemente. No campo dos traduzidos clássicos, especialmente por não dominar bem idiomas estrangeiros, sou parado em George Orwell, inclinado por Richard Bach, e bastante filosofia.Maurício Zerk – Quais são seus projetos futuros relacionados ao seu trabalho literário? Pretende lançar alguma coisa ainda este ano?Ricardo Vieira – Na verdade... sou um novato absoluto em se tratando de "meio literário". Sou sim um blogueiro, não me envergonho, e passo mais por uma fase de "testes" dos efeitos do que escrevo sobre as pessoas que leem. Pretendo participar de coletânea a que fui convidado, de repente inscrever-me em algum concurso, experimentar o meio. Realmente não sei vou lançar algo. Mas vou escrever algo, isso sim, é certo. Estou com vontade de produzir uma seleção de contos, mas não sei bem como farei para publicá-los, então cuidarei, por hora, de escrevê-los, criticá-los e corrigi-los. Já tenho sido orientado a não sair por aí "postando em blogs", talvez cuide melhor do que escrevo, quem sabe, tento a publicação. Vamos ver no que dá.
Maurício Zerk – Ricardo, de que modo você lhe dá com a biografia, em sua obra, já que não se pode escapar dela?
Ricardo Vieira – Talvez uma das coisas da qual me orgulhe em falar, sempre, é de minhas origens, e de tudo que me constrói dia pós dia como um analítico e crítico da realidade no entorno, mas sem perder a sensibilidade, como a que tende o crítico. Talvez pela pluralidade de atividades que tenho, tantos ramos e escolhas que faço simultaneamente (opção criticada neste mundo tecnicista e 'especialicista'), tenho a graça de poder ver o mundo por muitos pontos diferentes de vista. Inclusive a mim mesmo. Portanto, falar de mim não é uma tarefa que acho difícil, embora ache que uma "biografia" é apenas um apanhado daquilo que cada um acha menos desagradável de si mesmo, né? Mas francamente... Não me interesse muito por biografias, normalmente pulo elas nos livros. E volto a elas quando a obra me faz querer saber mais sobre o autor. Confesso que isso acontece pouco. Mas é provável que vá mudando, com a maturidade, como tudo muda com o tempo.
Maurício Zerk – Qual a finalidade da poesia? É possível defini-la em uma única palavra?
Ricardo Vieira – Hum... para mim, uma palavra define bem...: "reação". Agora... finalidade... acho que tudo tem finalidade, e ao mesmo tempo que não. É sim, é controverso. Só que o interessante da poesia, como de qualquer forma de arte, é a "finalidade" é no mínimo bidimensional. A finalidade será definida por quem a cria, e totalmente descumprida por quem a aprecia. A arte sofre a desconstrução pelo receptor, e uma reconstrução que pode ou não convergir com a "finalidade" do criador-transmissor. Em outros sentidos, mais práticos, pode ser usada com qualquer finalidade. Educa. Deseduca. Critica, apóia. Enaltece, ofende. É boa, é ruim (sim, pra mim existe má poesia). É veículo. Acho que a boa poesia é a que consegue carregar um teor forte, concentrado, de sensação, idéia, sentimento. É afiada, tira fatias da percepção. Assim, cumpre sua finalidade maior (para mim), que é a de terceirizar o íntimo sobre algo, ou alguma coisa vivida num determinado momento. Poesia é o retrato feito à grafite, daquilo que se pode entender e reproduzir do que se vê (ou pensa estar vendo). Finalidade? Retratar. Reagir ao que se sente. Mas acho que como tudo na vida poesia pode ter a finalidade que cada um dá. Só que com um diferencial: Depois de cometida não pode ser desmentida.
Maurício Zerk – E a música, como entrou na sua vida? Você já fez algo profissional?
Ricardo Vieira – Música é uma coisa, né... De vez em quando a gente tropeça nela novamente, e ela vai acontecendo. Só consigo definir a música em minha vida como uma coisa perpetuamente casual. Onde quer que eu vá, ela vai atrás. Profissionalmente, de certo modo. Sou Músico Militar, saxofonista da Banda de Minha PM aqui no RS. Por assim dizer, toco profissionalmente. Por outro lado, sempre escrevi letras e compus no violão algumas coisas bacanas, que a gente vai acumulando debaixo da cama. Acho que música e poesia são coisas que flertam muito. E como não remeter-me a "Fernando Anitelli", não é mesmo? Caras como ele me fazem temer não ser tão bom quanto gostaria. Mas me fazem querer colocar nos ouvidos dos outros coisas de qualidade no mínimo comparável. Gosto de brincar escrevendo partituras de MIDI e arranjar as músicas que aprecio, criar arranjos instrumentais (comecei para fazer toques polifônicos no celular antes dessas tranqueiras tocarem MP3, acredites). Enfim, com música, tenho um namoro antigo, aprecio poder fazer dela parte do sustento de minhas vaidades.
Maurício Zerk – Resumindo todo seu trabalho poético e musical seria possível definir o Ricardo Vieira em uma única palavra?
Ricardo Vieira – Hum... não, acho que não consigo... Não me conheço bem o suficiente. Afinal, estou em constante mudanças. Portanto, se há uma que sirva... que seja: circunstancial.






Blog do Ricardo Vieira: http://olharesescusos.blogspot.com/

Blog do Maurício Zerk: http://www.myspace.com/mauriciozerk


fotos: divulgação

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